Ciência

Cientistas criam células com potencial para o tratamento de longa duração da doença de Machado-Joseph

Uma equipa de cientistas, liderada pela Universidade de Coimbra (UC), conseguiu gerar células estaminais humanas, a partir de células da pele, que revelaram ter potencial terapêutico de longa duração para a doença de Machado-Joseph, patologia rara, com grande incidência em Portugal. A investigação abre, assim, caminho para o desenvolvimento de células que possam vir a ser usadas no tratamento desta doença neurodegenerativa que afeta, nomeadamente, os movimentos e a articulação verbal.

No artigo científico Graft-derived neurons and bystander effects are maintained for six months after human iPSC-derived NESC transplantation in mice’s cerebella – publicado na revista Scientific Report, do grupo Nature – a equipa de investigação “mostra ser possível criar células estaminais a partir de células extraídas de pessoas com doença de Machado-Joseph com potencial terapêutico”, explica a investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC) e do Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia (CIBB), Liliana Mendonça.

“A nossa descoberta demonstra a viabilidade da aplicação de terapias personalizadas a pessoas portadoras desta doença, através da criação de células estaminais dos doentes que pretendemos tratar, o que se traduzirá numa maior aceitação do transplante”, acrescenta a também líder do estudo. As células estaminais têm enorme versatilidade, permitindo dar origem a células especializadas de vários tecidos e órgãos do corpo humano.

A doença de Machado-Joseph é uma patologia atualmente ainda sem tratamento, sendo o cerebelo uma das regiões do cérebro mais afetadas. Caracteriza-se pela extensa morte neuronal, dificuldades de coordenação motora, de deglutição e de articulação do discurso. “Tem uma grande prevalência nos Açores, especialmente na Ilha das Flores, que regista a maior incidência da doença a nível mundial”, destaca a investigadora da UC.

Para alcançar este resultado, a equipa de investigação criou células que demonstraram ter capacidade de originar neurónios em culturas celulares (conjunto de técnicas para testar o comportamento de células num ambiente artificial) e também em organóides cerebrais (tecidos gerados in vitro, ou seja, fora de organismos vivos, que simulam o neurodesenvolvimento humano funcionando como “mini-cérebros”).

Em simultâneo, “neste estudo observámos ainda que as células estaminais humanas sobreviveram até seis meses após transplante no cerebelo do modelo animal, tendo-se diferenciado em células da glia [células do sistema nervoso central que desempenham diversas funções, apoiando, nomeadamente, os neurónios] e neurónios”, avança Liliana Mendonça. Isto significa que estas células revelaram ter potencial para atuar positivamente no controlo de doenças neurodegenerativas.

Com esta investigação, a equipa procurou traçar novos caminhos para o desenvolvimento de tratamentos para uma doença rara e altamente incapacitante. “Existe uma elevada necessidade de desenvolver estratégias terapêuticas que possam tratar doenças neurodegenerativas, que, de forma robusta, melhorem a qualidade de vida dos doentes, contribuindo, assim, para reduzir os encargos de saúde dos sistemas de saúde e das famílias destes doentes”, sublinha a investigadora.

Este trabalho desenvolvido pela equipa do Grupo de Investigação de Terapias Génicas e Estaminais para o Cérebro do CNC-UC – coordenada pelo presidente do CNC-UC, coordenador do CIBB e docente da Faculdade de Farmácia da UC (FFUC), Luís Pereira de Almeida – está agora a ser aprofundado, nomeadamente para estudar de que forma é que estas células conseguem melhorar os problemas de coordenação motora da doença, com recurso a um modelo animal. 

Os cientistas vão também “desenvolver estratégias para melhorar a migração das células e, seguidamente, a sua diferenciação em neurónios cerebelares, após o seu transplante para o cérebro, algo que pode aumentar significativamente os efeitos terapêuticos destas células”, destaca a coordenadora da investigação.

Os cientistas vão também “desenvolver estratégias para melhorar a migração das células e, seguidamente, a sua diferenciação em neurónios cerebelares, após o seu transplante para o cérebro, algo que pode aumentar significativamente os efeitos terapêuticos destas células”, destaca a coordenadora da investigação.

Participaram também no estudo outros investigadores da Universidade de Coimbra: Luís Pereira de Almeida, Daniel Henriques (CNC-UC e CIBB), Vanessa Fernandes (CNC-UC), Ricardo Moreira (FFUC, CNC-UC e CIBB), João Brás (CNC-UC) e Sónia Duarte (CNC-UC e CIBB). A investigação contou ainda com a colaboração do investigador do Centro de Biomedicina de Sistemas do Luxemburgo, Jens C. Schwamborn.

O artigo científico está disponível na edição online da Nature.

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